Dignidade Seletiva: O Contraste na Utilização de Recursos Públicos pelo Governo Brasileiro

Dignidade Seletiva: O Contraste na Utilização de Recursos Públicos pelo Governo Brasileiro

Por Renato Canuto

Em abril de 2025, o governo brasileiro enviou um jato da Força Aérea Brasileira (FAB) à Bolívia para buscar a ex-primeira-dama do Peru, Nadine Heredia, condenada a 15 anos de prisão por corrupção. A justificativa oficial foi baseada em “razões humanitárias”, conforme divulgado na imprensa. A decisão gerou ampla repercussão por envolver recursos públicos em benefício de uma figura ligada a um governo estrangeiro e com pendências judiciais graves.

Também há diversos registros de autoridades brasileiras utilizando aeronaves da Força Aérea Brasileira (FAB) para transportar familiares e pessoas sem vínculo direto com agendas oficiais. Como exemplo, em 2023, ministros e o vice-presidente Geraldo Alckmin levaram esposas e outros acompanhantes em voos da FAB, sob a justificativa de “vagas remanescentes” e “segurança”.

Constrantando com essas situações, em maio de 2025, a brasileira goiana Amanda Borges da Silva, que deveria ter embarcado para o Brasil horas antes, foi encontrada morta em um quarto de hotel no Japão. A família da jovem, que não detém recursos para buscar o corpo, procurou apoio do governo brasileiro, o qual alegou que não é permitido que o Estado custeie o traslado do corpo, deixando assim, a família responsável por arcar com as despesas de repatriação.

Legalmente, o uso de aeronaves da FAB é regulamentado por decretos que estabelecem critérios para sua utilização, priorizando missões oficiais e situações de emergência. No entanto, a prática de transportar acompanhantes sem função pública específica, ou ainda estrangeiros condenados, levanta questionamentos sobre a moralidade e a equidade na aplicação desses recursos.

Já refletindo sobre o caso da brasileira morta em território estrangeiro, do ponto de vista jurídico, a Constituição Federal assegura a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República (art. 1º, III) e estabelece que é dever do Estado garantir os direitos fundamentais, de onde se pode reconhecer o respeito à memória e ao luto das famílias.

Vale lembrar também que em casos anteriores, a Justiça Federal determinou que a União arcasse com os custos de traslado de brasileiros falecidos no exterior quando comprovada a incapacidade financeira da família, reconhecendo o direito à dignidade e ao sepultamento no país de origem.

A disparidade entre a negativa de auxílio à família da brasileira Amanda, e o uso de recursos públicos para fins pessoais por autoridades ou fins alheios a sociedade nacional, evidencia uma aplicação seletiva dos princípios constitucionais. Tal conduta pode configurar violação aos princípios da moralidade e da impessoalidade administrativa, previstos no art. 37 da Constituição.

É imperativo que o Estado brasileiro adote critérios transparentes e equitativos na utilização de recursos públicos, assegurando que todos os cidadãos, independentemente de sua posição social ou política, tenham seus direitos fundamentais respeitados. A dignidade humana não pode ser relativizada por conveniências administrativas ou políticas.

Esta coluna visa promover a reflexão sobre a aplicação equitativa dos princípios constitucionais e não representa posicionamento político-partidário.