Baixo nível dos reservatórios de água causam medidas de racionamento em todo o país
Em três décadas, Maria Rosa Arezi produziu todo tipo de orgânico em sua propriedade em Cascavel, no Paraná. Porém, a água secou. O lago do terreno, que já teve quase 80 mil metros cúbicos cheios, sumiu após quase dois anos de chuva abaixo da média no estado. Para garantir o próprio sustento, a família teve de vender os equipamentos de irrigação.
— Ficamos com medo de ficar sem água para a casa e paramos a produção — conta.
Áreas rurais e urbanas do território nacional já sofrem com torneiras secas por conta da crise hídrica, que também deixa o país em risco de um apagão elétrico. E a seca prolongada já impacta o dia a dia de muitas famílias Brasil afora, que mudam de hábitos e até de meios de produção e renda.
A região mais atingida é a Bacia do Paraná, que abastece Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso do Sul, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e o Distrito Federal. E de acordo com relatório do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), a previsão de chuvas para a primavera não é animadora.
Segundo o Prognóstico Climático da Primavera 2021, a região Sul tem maior probabilidade de continuar com chuvas abaixo da média histórica no período, quando deveria começar a estação chuvosa para recuperar os reservatórios.
No bairro Uberaba, em Curitiba, Letícia Andrade e seus vizinhos estocam água.
— Não é raro a gente ficar três dias sem água. Todo mundo tem galões para guardar um pouco para os dias secos — diz.
Pedro Augusto Breda Fontão, professor do Departamento de Geografia do Setor de Ciências da Terra e coordenador do Laboratório de Climatologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), diz que a causa é o fenômeno La Niña, que já afetou o Sul em 2020:
— Ele deixa as águas do oceano mais frias, e isso causa chuva mal distribuída, com volumes abaixo do esperado. Consequentemente, não serão recuperados os níveis dos reservatórios já em estado crítico.
A região metropolitana de Curitiba já vive um intenso rodízio no abastecimento de água à população. Ele é suspenso por 36 horas e, depois, liberado pelo mesmo período.
— Se um reservatório grande secar e precisar desligar algumas captações, será um colapso. É isso que o rodízio tenta evitar — afirma Cláudio Marchand Krüger, professor do Departamento de Hidráulica e Saneamento da UFPR.
Ainda segundo o relatório do Inmet, desde janeiro de 2019 o Paraná teve 23 dos 32 meses até agosto de chuvas abaixo da média, e a previsão é que até fevereiro de 2022 não choverá acima dela — caracterizando uma das três maiores secas desde o início das medições, no início do século XX.
— Desde 1999, há alertas de que a população da região metropolitana de Curitiba ia crescer, o que aumentaria a demanda de novos mananciais e reservatórios — diz Fontão.
Outros estados da Bacia do Paraná sofrem com a estiagem. O Mato Grosso do Sul, segundo o Inmet, está na mesma situação que o Paraná. São Paulo já adota rodízios em algumas cidades. Em Bauru, são 24 horas de abastecimento e 48 sem água. Em Valinhos, a lanchonete na qual André Luís Pires trabalha só continua aberta porque os donos passaram a comprar água. Apesar do rodízio de 24 por 24 horas, na semana passada o comércio ficou de segunda a sexta-feira sem abastecimento:
São R$ 600 só com galão de água. O que dá a gente reutiliza. Com a água que lavamos a louça, limpamos o chão.
Bugre, em MG, no Vale do Rio Doce, começou a interromper a oferta após o posto de água que abastece a cidade quase secar. Uberaba definiu multa de R$ 293,47 para quem desperdiçar .
— A água não cai das 7h às 17h. Passo a madrugada inteira fazendo as coisas, limpando a cozinha — diz Dhara Kelly, dona de uma lanchonete.
Em Goiás, alguns bairros de Goiânia e Aparecida de Goiânia devem entrar em sistemas de rodízio nos próximos dias. No Rio, abastecido pela Bacia do Paraíba do Sul, o principal reservatório (Paraibuna) tem apenas 21% do volume útil. Em 2015, na última grande crise hídrica do estado, esse índice chegou a -1,64.
— Vamos depender das chuvas, especialmente no verão, e teremos de poupar em 2022 — diz Paulo Canedo, professor de Recursos Hídricos da Coppe/UFRJ.
Reprodução: O Globo