Combate ao crime organizado é tema de reunião de Comissão de Segurança da Ales
A força cada vez maior de articulação do crime organizado e a dificuldade do Estado em combater esse poder paralelo foi tema da reunião extraordinária da Comissão de Segurança da Assembleia Legislativa (Ales), nesta terça-feira (21). Deputados e autoridades das forças de segurança pública do Espírito Santo debateram o assunto ao longo de aproximadamente três horas.
O presidente do colegiado, deputado Delegado Danilo Bahiense (PL), em sua fala de abertura, chamou a atenção para a desvalorização dos agentes de segurança pública no Espírito Santo, traçando um comparativo com a expansão do crime organizado no estado e no país:
“De um lado a estrutura do Estado, representado pela segurança pública, que vem vivendo um claro definhamento e um total desestímulo, por falta de reconhecimento, baixíssimo efetivo e ostentando um dos piores salários da Federação. Enquanto isso, as organizações criminosas, ano após ano, vêm se expandindo, impondo pela força o terror nas comunidades, com armamentos cada vez mais letais, em um claro enfrentamento do crime para com o Estado”, comparou.
“Temos assistido à violência e o poder paralelo de organizações como o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV), que se expandem em quase todos os estados da nossa Federação. Organizações criminosas atuam no narcotráfico, na lavagem de dinheiro, no tráfico de armas e nos jogos ilegais, como o jogo do bicho e o caça-níqueis”, complementou o presidente.
Bahiense disse que o crime organizado vem ampliando suas áreas de atuação. Ele citou uma operação que, há aproximadamente 20 anos, realizou uma investigação que já mostrava o poder de movimentação financeira do crime, ainda naquela época, por meio de jogo do bicho.
“Somente em levantamento junto à documentação apreendida naquela ocasião, eles citaram uma movimentação de R$ 321 milhões. Essa é a movimentação que foi citada por eles naquele ano, a gente sabe que essa movimentação está muito aquém da realidade já pra aquela época. Mas se trouxermos aqui para os dias atuais, isso aí passa de bilhões de reais. Nós sabemos que realmente eles movimentam um volume muito grande e que financiam diversas atividades ilegais”, pontuou o parlamentar.
Evolução do crime
O delegado da 2ª Delegacia Regional de Vila Velha, Guilherme Eugênio Delta, chamou a atenção para a evolução do crime organizado, que vem se especializando em novas práticas de crime. “Desde o início da pandemia de Covid-19, uma nova tendência criminal se apresentou em nosso país. Trata-se do crescimento exponencial da incidência de crimes contra o patrimônio, praticados mediante fraude, ou seja, de estelionatos e furtos, praticados mediante fraude”, apontou.
O delegado alerta que esse tipo de crime, em que o contraventor usa os sistemas eletrônicos para desviar dinheiro, tem ultrapassado o número de ocorrências de furtos e roubos presenciais. Com a obtenção de CPFs, de linhas telefônicas e até mesmo com o acesso ao cadastro de servidores públicos em portais eletrônicos, via intranet, os contraventores pedem empréstimos, desviam dinheiro de contas, se passam por outras pessoas para conseguir dinheiro com familiares, dentre outros golpes.
O aumento desse tipo de ocorrência tem duas explicações muito claras para o delegado. “A primeira é a impunidade, nesse tipo de incidência criminal não violenta, as chances que o sistema de persecução penal possui de efetivamente alcançar a prisão e punição desses criminosos é bem reduzida. É muito difícil, é extremamente desafiador manter um autor de crime dessa natureza encarcerado”, disse.
“A segunda razão diz respeito aos avanços tecnológicos que permitiram, pela primeira vez, a integração nacional de várias pequenas organizações criminosas que vinham atuando em todo o nosso país. Com os mesmos recursos tecnológicos que nos permitiram uma audiência híbrida, como essa aqui hoje, permitiram a esses criminosos uma integração extraordinária, de forma a viabilizar que eles atuem em células, num verdadeiro conceito de crime organizado”, concluiu.
Enfrentamento
Para o delegado, existem três grandes desafios no enfrentamento desse tipo de crime. O primeiro é alcançar uma efetiva punição ao infrator, pois, mesmo quando identificado, o criminoso dificilmente é mantido preso, o que acaba colaborando para a reincidência da prática criminosa. Delta citou o exemplo de três criminosos que vieram da Paraíba para o Espírito Santo e foram flagrados realizando esse tipo de contravenção.
“Aqui fizeram poucas dezenas de vítimas, das quais extraíram cerca de R$ 10 mil de cada uma delas. Analisando o histórico criminal desses infratores pudemos perceber que eles já foram presos em sete estados da Federação e que, pelo menos, dois dos três já foram surpreendidos na prática desses crimes mais de 30 vezes e mesmo assim permaneciam em liberdade”, citou.
O segundo desafio apontado pelo delegado é a dificuldade enfrentada pelas polícias na interação com as instituições bancárias. “Por incrível que pareça, os bancos, que muitas vezes se tornam vítimas dessas ações, de certa forma demonstram uma certa resistência na prestação de informações às polícias judiciárias e muitas vezes sequer dispõem de um sistema suficientemente organizado, que lhes permita a prestação de informações razoáveis”, afirmou.
O último obstáculo citado é a dificuldade na interação entre polícias de estados diferentes. “Essas organizações criminosas hoje atuam em todo país. Criminosos de outros estados fazem vítimas aqui e seus comparsas aqui do estado muitas vezes vão escolher suas vítimas em outros estados (…) E para que possamos combater a contento essa nova tendência, esse crescimento exponencial dessa nova incidência criminal, é necessário que as polícias cresçam e intensifiquem os laços de união que existe entre elas”, sugeriu.
Prisão em flagrante
Já o delegado-geral da Polícia Civil do Espírito Santo, José Darcy Santos Arruda, falou sobre a evolução da inteligência da corporação nos últimos anos. Arruda disse que o modus operandi vem evoluindo e citou o caso das prisões em flagrante que, por muito tempo, foram um grande desafio para o sistema penal brasileiro e ainda hoje estão em aperfeiçoamento.
“Nós temos aqui aproximadamente 18 regionais que trabalhavam 24 horas fazendo flagrantes. Flagrantes encaminhados pela Polícia Militar não eram flagrantes da própria Polícia Civil, que também faz o seu próprio flagrante. As regionais recebiam flagrantes da Polícia Rodoviária Federal (PRF), alguns da Polícia Federal (PF) e 80% da Polícia Militar”, afirmou.
“O que nós entendemos? Porque houve um advento de uma lei que trouxe uma situação chamada audiência de custódia. Com a audiência de custódia eu cheguei ao entendimento de que a prisão em flagrante perdeu o seu poder coercitivo. O que significa isso? Quando nós prendíamos alguém em flagrante, a pessoa ficava presa dez dias naquele flagrante, naquela peça. Então eu tinha que concluir aquele inquérito em dez dias”, relembrou.
O delegado explicou que, se nesse prazo de dez dias o acusado não fosse libertado, numa liberdade provisória, ou num relaxamento da prisão, ele era mantido preso. “Com a audiência de custódia mudou. Então hoje você autua alguém em flagrante e imediatamente ele é submetido a uma audiência de custódia e ali é feita uma análise do flagrante”, explicou.
“Se o flagrante for legal ele é mantido, se for ilegal ele relaxa a prisão. Mas, em seguida, o juiz analisa se é cabível a liberdade provisória com ou sem fiança e depois ele analisa se é caso de uma medida cautelar e, por último, ele determina o que nós chamamos de medida odiosa, que é a prisão preventiva. Em 20% dos casos sai uma prisão preventiva”, avaliou.
Teleflagrante
Inspirado em projetos desenvolvidos nos estados de Minas Gerais, Santa Catarina e Paraná, a Polícia Civil do Espírito Santo implantou o sistema de “Teleflagrante”. Segundo o delegado-geral da PCES, hoje se faz “um flagrante por teleconferência num tempo muito rápido. Levamos um ano e meio implementando, hoje todas as nossas regionais estão já embutidas no teleflagrante”, explicou.
“Temos uma central de teleflagrantes, hoje nós temos aproximadamente 6 delegados e 12 escrivães, por equipe. Então aquele delegado que ficava preso naquela regional, hoje ele está investigando. Aquela equipe que ficava presa, hoje está investigando”, finalizou Arruda.
Além de autoridades das forças de segurança pública do Estado e do presidente da comissão, participaram da discussão os deputados Capitão Assumção (PL), Theodorico Ferraço (PP), Tyago Hoffmann (PSB), Allan Ferreira (Podemos), Coronel Weliton (PTB) e Mazinho dos Anjos (PSDB).
Reprodução : Ales
Jornalista, Gestor Público e especialista em planejamento e gestão estratégica e atua como empresário na área de comunicação e marketing político. Cadastre-se gratuitamente e receba notícias diretamente no seu celular. Clique Aqui