Desafios previdenciários e dilemas fiscais

Por Luiz Paulo Vellozo Lucas
O perfil demográfico do Brasil vem se alterando nas últimas décadas em função do aumento da renda, da urbanização, da maior presença da mulher no mercado de trabalho, do maior acesso à educação e de mudanças culturais envolvendo o planejamento familiar. A taxa de natalidade caiu de 6,3 filhos por mulher em 1960 para 1,7 em 2020 e a expectativa de vida subiu de 45 anos em 1940 para 76 anos hoje.
Como consequência temos uma população mais velha com 14% dos brasileiros com idade acima de 60 anos e uma expectativa de que este percentual ultrapasse 30% até 2060.
A principal consequência desta mudança é o forte impacto sobre a previdência social na medida em que o sistema de financiamento por repartição se baseia no princípio segundo o qual os trabalhadores ativos sustentam os atuais aposentados. Com menos jovens entrando no mercado de trabalho e com as pessoas vivendo mais temos menos contribuintes e mais beneficiários no sistema fazendo com que o déficit da previdência cresça continuamente. No ano 2000 o déficit era de R$ 10,1 bilhões ou 0,9% do PIB brasileiro, chegando em 2024 a R$ 416,8 bilhões ou 3,45% do PIB.
O desafio previdenciário agravado pela mudança demográfica vai se somar as demandas por financiamento para políticas públicas e investimentos e agravar o desequilíbrio fiscal que ameaça a estabilidade macroeconômica do Brasil duramente conquistada com o Plano Real.
O populismo trabalha como se o gasto público não tivesse restrição orçamentaria, isto, pudesse crescer de acordo com as necessidades de todos rejeitando toda e qualquer tentativa de estabelecer limite, regra ou teto para o crescimento dos gastos. A negociação orçamentária é a tarefa mais nobre do Congresso Nacional e apesar dos quarenta anos de democracia e trinta anos de moeda estável ainda não temos uma estratégia pactuada crível sobre o controle das contas públicas para oferecer ao país e aos agentes econômicos.
Um aspecto importante sobre o sistema previdenciário é sua articulação com o ciclo de vida onde a formação de fundos da poupança, durante a vida útil dos trabalhadores para no futuro custear as aposentadorias, pode ser utilizada como fonte de financiamento do investimento produtivo e assim renderem juros.
O mercado financeiro trabalha com fundos previdenciários oferecidos aos aplicadores que se dispõem a investir com prazos mais longos. Esses fundos são usados no financiamento de empreendimentos imobiliários, industriais, agrícolas enfim negócios privados que remuneram os fundos que crescem com o tempo até que sejam usados para custear as aposentadorias.
Quase metade do déficit previdenciário, R$152 bilhões em 2023, provem da Previdência Rural. Os trabalhadores rurais em sua maioria não contribuem regularmente, mas tem direito a um salário-mínimo de aposentadoria depois de 55 anos para mulheres e 60 anos para homens.
Já o BPC, Benefício de Prestação Continuada, que paga um salário-mínimo a idosos com 65 anos ou mais e pessoas com deficiência de qualquer idade em situação de vulnerabilidade, não faz parte do sistema previdenciário. Trata-se de um benefício assistencial previsto na LOAS, Lei Orgânica de Assistência Social e é administrado pelo INSS e por isso muitas vezes confundido como sendo uma despesa previdenciária.
A gestão fiscal é o cartão de visitas de qualquer governo. Sua qualidade ao tratar do interesse público, sua seriedade ao lidar com restrições e escolhas, seu discurso sobre o futuro e seus compromissos. A boa gestão fiscal não é de direita nem de esquerda e principalmente não é um fim em si mesma, mas um meio, necessário e imprescindível para o sucesso.

Engenheiro, Mestre em Desenvolvimento Sustentável, ex-prefeito de Vitória-ES e membro da ABQ-Academia Brasileira da Qualidade.