Internet: a chatice, a nostalgia e o “downgrade”

Internet: a chatice, a nostalgia e o “downgrade”

Mas enfim, a Internet teria morrido? É claro, não estamos dizendo de seu uso. Nesse sentido, ela nunca esteve tão viva. Hoje em dia, até mesmo a geladeira e o fogão estão conectados à rede. Antes, queremos abordar um aspecto ainda mais fundamental. Um aspecto outrora óbvio, mas hoje esquecido: a criatividade e a diversão.

Verdade seja dita, a Internet ficou chata. Não enviamos mais o que pensamos ser importante, relevante ou divertido. A espontaneidade sumiu. Tudo que restou é o like, o share, o view, o click. A rede não mais nos serve, somos nós que a servimos. Cedemos a ela bens preciosos na modernidade: tempo e atenção. Rolamos e rolamos a tela, sempre em busca — só não sabemos do quê. Até que, de tanto rolar, nós a esgotamos.

A Internet nem sempre foi assim. O declínio fica evidente quando a encaramos pelos olhos de quem a usa há mais tempo. Poucos lembram, mas alguns usuários atuais nasceram antes de a Internet existir. Eles são de uma época em que havia distinção entre “online” e “offline”. Para eles, a Internet era como um lugar. Por sinal, um lugar anárquico, espontâneo, desconhecido — e muito mais divertido.

Viver a Internet gerava um entusiasmo semelhante àquele despertado pelo radioamadorismo. A rede ainda não possuía uma forma certa ou errada de uso. Programadores, comunicadores, designers e tantos outros exploravam e descobriam possibilidades. Surgia uma miríade de novos formatos: blogs, flogs, vlogs, pods, wikis, forums, chats, mails. Mesmo como negócio, a Internet era apaixonante, como um hobby.

E, de repente, o tédio. O estilo da linguagem se resume a copywriting. O conteúdo passou a se acotovelar em timelines. Produtor e consumidor viraram reféns de algoritmos. Todo formato possível passou a ser monopólio das Big Techs. Na busca por cliques, tudo se copia. Não há mais diversão, só há venda. Aos da velha guarda, fica impossível não se perguntar como tudo deu errado.

Uma resposta pode estar na hipótese do “interruptor mestre” de Tim Wu. Ela pode ser lida na obra “The Master Switch”. A própria natureza das tecnologias de comunicação compelem a Internet à sua chatice atual. A jornada de invenções como o telefone e a televisão começa no amadorismo vibrante até alcançar o profissionalismo tecnicista, protocolar — burocrático, tedioso.

Como toda nova tecnologia, a Internet iniciou de forma disruptiva. Escapou ao seu intento original. Virou mesas. Arrebatou entusiastas. Revelou pioneiros. Abriu caminhos. Até que alcançou um impasse: ela não poderia mais se expandir de forma espontânea. Nesse formato, ela cria “ilhas” incompatíveis entre si. Superar esse impasse exigia padronizar. Isso somente seria possível por meio de investimentos maciços.

Empresas e governos fizeram esse esforço. A expansão implicou concentração. Surgiram os gigantes do setor. O governo parou de se preocupar e passou a amar a Internet como ferramenta de vigilância e controle. É claro, a rede ainda mantém algo de subversivo; mas esse algo somente é possível quando permitido: a Internet consolidou suas regras e convenções, todas muito esmagadoras, todas muito aborrecidas.

Qual seria a solução para toda essa chatice? Talvez uma próxima tecnologia de comunicação, que vire as mesas novamente e crie outras possibilidades. Pode ser difícil apostar nisso. A situação atual sugere que não temos mais o que inventar. Não mais criamos, apenas reciclamos e recombinamos as formas já existentes. Não existe algo em situação embrionária que possa vir a ser o novo rádio, a nova Internet.

Na falta dessa tecnologia, resta o “downgrade”: voltar a usos e formas anteriores. A persistência de formatos como “blogs” e “pods” revelam que esta é uma tendência ativa. Mesmo que ultrapassados, esses formatos contam com plataformas consolidadas. O sucesso delas indica haver demanda aquecida por esse retrocesso; e que essa demanda ocorre mesmo entre quem nasceu quando já havia Internet.

No entanto, até onde esse “downgrade” seria realmente possível? Grande parte dele soa como nostalgia. E nostalgia pode ser um nicho interessante, mas é apenas um nicho. Apesar disso, é preciso admitir que estamos diante de um nicho diferente. Ao contrário do que sugere subgêneros como o “retrowave”, ele não deriva de um mero modismo hipster. Antes, ele atende à necessidade de a Internet recuperar algo daquela criatividade que um dia se perdeu — e que certamente será difícil reencontrar.

(Imagem: Goodfon / Kipish_fön)